Luzia Pinta

(Angola ≈1700 – Portugal, data de morte desconhecida)

Luzia Pinta foi escravizada quando criança e viveu em Minas Gerais. Comprou sua alforria dos irmãos João Pinto Dias e Manoel Pinto Dias, seus senhores, e uma pequena terra em Sabará, onde viveu. Participava de calundus, rituais coletivos de possessão e transe, com funções divinatórias e terapêuticas, que têm suas origens em práticas religiosas das sociedades ambundas e bacongas.

Nessas cerimônias, que se disseminaram no Brasil entre os séculos XVII e XVIII, apenas algumas pessoas, por serem espiritualmente preparadas, como Luzia, conectavam-se com espíritos dos ancestrais para receberem suas energias. No antigo reino do Congo, essas pessoas eram chamadas de xinguilas. Luzia era uma delas e tinha o dom da cura da alma e do corpo. Ela cheirava os doentes para diagnosticar seus males e fazia remédios com farinha e raízes de pau-santo e abatua. Denunciada à Inquisição pela prática de “rituais diabólicos”, em 1739, foi enviada para Lisboa, julgada pelo Tribunal do Santo Ofício e presa em 1742. Morreu em degredo sem que se saiba como e quando.

Para a criação do seu retrato, precisei negociar muito com as IAs, que não só têm dificuldade para representar mulheres negras e mais velhas, como também travam diante de temas como tortura e escravidão. Queria que Luzia fosse altiva, como as outras mulheres desta exposição, mas que também carregasse as marcas das dores e sofrimentos que lhe foram impostos. Demorei meses para chegar a uma imagem que a homenageasse, dignificando, na sua figura, todas as bruxas-médicas assassinadas pela Inquisição.

Retrato de Luzia Pinta, aos 40 anos, criado com inteligência artificial, a partir de informações coletadas em textos de Alexandre Almeida Maccusi, Laura de Mello e Souza, Luiz Mott, Mary del Priore e um retrato imaginário de Luzia Pinta realizado por Guignard. 2025.

Outras artistas-cientistas

Referências:

Luzia Pinta (século XVIII). Biografias de Mulheres Africanas, 2 jul. 2020. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/africanas/luzia-pinta-seculo-xviii/>.

MARCUSSI, A. A. Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 7 ago. 2015.

MOTT, L. Feiticeiros de Angola na inquisição portuguesa. Mneme – Revista de Humanidades, v. 12, n. 29, 5 ago. 2011.

PRIORE, M. DEL. Sobreviventes e guerreiras: Uma breve história da mulher no brasil de 1500 a 2000. São Paulo, SP: Planeta, 2020.

SANTOS, L. V. D. “TERRA INFICCIONADA”: AS PRÁTICAS MÁGICO- RELIGIOSAS INDÍGENAS E A INQUISIÇÃO NA AMAZÔNIA PORTUGUESA SETECENTISTA. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São João Del-Rei. 2016.

SOUZA, L. DE M. E. O diabo e a terra de santa cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

SURIS, A. Curandeiras e bruxas: práticas de feitiçaria e a subversão da ordem social no estado do Grão-Pará (1763-1769). Dissertação de Mestrado. Unisinos. 18 abr. 2024.